Você não sabe, mas todo dia tenho que responder à pergunta:
_ Seu marido não liga por você ser assim?
Te respeito o suficiente para não sair por aí nomeando seus sentimentos.
_ Não sei.
Mas a recorrência da pergunta me faz pensar no que esperam de mulheres e maridos por aí. São tempos difíceis, em que as posses não negociadas estragam os relacionamentos. E, assim como os liquidificadores, não se consertam mais os relacionamentos estragados. São jogados no lixo.
A gente segue consertando, consertando... Suspirando o medo de que um dia não funcione mais.
Quem nos conhece sabe o quanto somos diferentes e o quanto nos esforçamos para diminuir as distâncias entre nós. Não é fácil. O pedreiro e a poeta.
"você
voz de cabeça
marreta
eu
voz de falsete
poeta [...]"
Do lado de fora eu me realizo, danço esta dança solo chamada poesia. Aconteço, agito e sou livre como só com você eu poderia ser. Exerço minhas paixões no âmbito das palavras e minha intensidade no âmbito do corpo. Você por sua vez segue no seu vagar, assoviando enquanto aumenta a casa, melhora a casa, enfeita a casa. Eu vibro em outra velocidade. Corro intensamente aqui fora mas sempre volto para dentro. Me obrigo a desacelerar, desacelerar, desacelerar até parar e desfrutar. Você é o meu slow motion e é uma alegria que seja assim.
É o que nós ganhamos pelos quase vinte anos de monogamia escolhida. Quem me pergunta se você não liga talvez esperasse outra relação, menos diferenças. Mas as potências se realizam é na diversidade.
Talvez você ligue. Mas sei que nunca iria me dizer. E dessa qualidade o seu amor. E eu sei que, se estou tão feliz com o que me tornei, devo em parte a você. Ainda sinto suas mãos em minhas costas, exatamente como elas estavam quando eu, soterrada pelo lixo que a vida me fez comer, não conseguia me mover.
Se isso não for amor, eu não sei o que é.