Então, eu tinha que trabalhar o gênero entrevista e estou nessa de desvirtualizar o trabalho. Foi quando a sincronicidade deu as caras. Ouvi na rua (lá onde se compra pão e leite, verduras, sabe?) um senhor contando sobre o filho que teve parte dos dedos feridos com linha chilena. No noticiário do horário de almoço assisti uma entrevista emocionada da mãe que perdeu o filho pedreiro por causa de um corte no pescoço com linha de cerol. Decidi, esse seria o tema da entrevista. Construí com as turmas uma pequena entrevista de cinco perguntas na qual constava o título "Os riscos do uso do cerol e da linha chilena no ato de soltar pipa", a apresentação da entrevista, na qual o aluno deveria preencher os dados do entrevistado, e perguntas acerca dos acidentes e de propostas para resolver o problema. O entrevistado deveria ser alguém que fazia uso desses materiais.
No dia seguinte discutimos os resultados das entrevistas, Avaliamos a percepção dos entrevistados sobre o tema, e depois listarmos problemas ligados ao ato de soltar pipa, chegamos a seguinte lista:
1- eletrocussão;
2- quedas de muro e lajes;
3- acidentes com trombadas, cacos de vidros e outros objetos cortantes durantes as perseguições de pipas "tosadas".
Contei a história da pipa e de uma das suas principais funções, se manter no ar. Desafiei os alunos a pensar sobre o desvirtuamento cultural que o ato de soltar pipa sofreu tendo em vista o imperativo de tosar o outro. Falei sobre cultura da competição, urbanização etc e ainda falei sobre a superlotação dos hospitais com esse tipo de acidente nessa época do ano.
Ao final da discussão acabamos esbarrando na concepção dos próprios alunos de que não há meio de se manter no ar sem ser tosado, e não há nenhuma possibilidade de soltar pipa em área urbana.
A maioria não se mostrava muito disposta a esperar a disposição dos pais para levá-lo a ao parque ecológico por exemplo. Chegamos ao impasse e eu criei uma imagem na qual a brincadeira seria uma arma de fogo.
A imagem provocou horror na maioria e eu fiz a seguinte pergunta:
_ Qual a diferença de uma morte provocada pela brincadeira com arma de fogo ou com uma pipa?
Ao final convoquei a todos para pensar em formas de diminuir os acidentes na comunidade no ano que vem inclusive conversando com pessoas e mudando o tipo de brincadeira.
Dos quase cento e cinquenta alunos envolvidos nessa atividade apenas um não concordou. E eu o admirei por sua honestidade:
_ Professora você acha que a gente vai parar de soltar papagaio por causa disso?
Contei a eles sobre o número de alunos envolvidos e fiz uma conta simples. Se apenas cem, do total de alunos se comprometessem, com certeza em 2014 os bairros Mantiqueira, Nova América, Landi. Pedra Branca, Maria Helena e Esplendor teriam os números de acidentes reduzidos. E eu realmente acredito que a maioria quer protagonizar isso.
Na finalização do trabalho era preciso verificar se os alunos realmente aprenderam a identificar o gênero textual entrevista. Entreguei uma revista para cada um e dei como tarefa localizar uma entrevista, identificar o título, apresentação, entrevistador e entrevistado e o tema. Eles apresentaram dificuldade pois a maioria não está familiarizado com revistas (essas eram revistas Época) mas ao final da tarefa mais de 90% dos alunos concluíram a atividade na sala.
E eu estou tão feliz com o resultado que estou aqui, nesse domingão de pais sentada no computador para contar isso. Eu recomendo a experiência.