Em sala de aula sou um design da educação, projetando o ensinar-aprender. E como todo ser que projeta, sempre paro para me perguntar qual o destino do que estou ajudando a produzir.
Sei onde estou agora. Não devo continuar vítima de uma estrutura que exige de mim formar alunos adequados ao universo mercadoilógico imposto pelo capitalismo. É imprescindível também achar o caminho do meio entre a hipersensibilidade e a insensibilidade.
É desse ponto que eu preciso avançar para produzir uma educação mais libertadora.
Ao meu redor tenho visto de tudo: aqueles que aderiram a insensibilidade para sobreviver, aqueles que jogaram a toalha devido a hipersensibilidade, e aqueles que como eu andam aos solavancos tentando o caminho do meio. Há ainda o pior exemplo de todos: aqueles que se diziam libertários e em função disso ascenderam ao poder e lá, na cadeira dos que decidem e planejam, aderiram ao discurso majoritário.
Isso não se dá apenas no micro universo onde circulo. São reações padrão à força dos ideais gerados pela era do consumo.
Aqueles que não são capazes de ver o fundo vivem às margens fazendo tudo para obter o tal Camaro Amarelo. Nesse "fazer tudo" cabe trabalhar exaustivamente, roubar, contrabandear, trapacear e até matar.
Diante da impossibilidade de encher a boca grande do consumo alguns se afogam em alopáticos, bebidas ou drogas ou perseguem o ideal adultescente de ser jovem para sempre.
Ainda preciso dizer daquelas vozes dissonantes que vem se ajuntado e comendo pelas beiradas o rabo da sereia capitalista. Poetas, artistas, designs, filósofos, antropólogos, sociólogos. Eles, às vezes próximos, às vezes distantes dos marginais que eu citei acima, ao seu modo sussurram a pergunta reveladora: o que realmente é preciso para ser humano?
Eu sempre soube que onde eu estou hoje, como professora, talvez eu seja a única voz dissonante a qual meus alunos tem acesso. O trabalho solitário me exaure mas alguém precisa fazê-lo. Tenho tentado me ajuntar a outras vozes para diminuir o cansaço.
Estamos concluindo o ano escolar e sei que em sua maioria, meus alunos irão apresentar progresso esperado pelo sistema. Me encarreguei de revelar a eles os segredos das tais provas externas. Mas gastei mais de um terço desse ano ensinando-os a pensar em coisas como:
-é descabido trabalhar dois meses para pagar um tênis e não comer frutas todos dia;
- o que eu visto não garante que eu tenha valor;
- precisamos de palavras que movam nosso corpo e nossa alma e nem sempre as canções mais vendidas fazem isso;
- olhar as cores laranja-arroxeadas do céu pode ser melhor que frequentar o point mais badalado - e é gratuito;
- a poesia pode ser instrumento para o amor, para o lamento e até mesmo para a revolução;
- podemos aprender pelo simples prazer, não precisa ter função;
- mesmo que não se queira ser escritor isso não deve acontecer por incompetência;
- a TV dita padrões de beleza mas belo é ser humano;
- a TV dita padrões de beleza mas belo é ser humano;
Tenho ouvido de meus alunos algumas palavras que apontam para o resultado. Essas palavras vem de alunos que me pedem para contar mais histórias, dizer mais poesias. Ouvem em silêncio minhas elucubrações e depois e demonstram ter se apropriado delas.
Encerro com um aviso aos navegantes: estou de pé e meu lugar ainda é a sala de aula. Quando for sair aviso.
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