domingo, 14 de dezembro de 2025

Não há glamour em saber que o nome foi inspirado em uma máquina de costura (assim me contou meu pai). Mas há  a obstinação em encarnar a potência , maquinar a costura do real, acoplar o corpo e ferro e produzir o mundo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Durante a oficina Desvendando Afetos, no Instituto Abrapalavra, uma das participantes evocou Antígona, e a referência me fez voltar à obra. Me lembrei dessa mulher que desafiou o decreto do rei para enterrar o irmão e de como esse ato ainda nos interpela hoje, quando o medo parece ser o afeto que sustenta o laço social. Em O circuito dos afetos, Vladimir Safatle diz que o medo foi o sentimento político fundador da modernidade, o cimento que uniu os corpos pela ameaça e pela obediência. Antígona rompe esse circuito. Ela é o corpo que não teme a punição, a palavra que insiste no impossível: amar e cuidar mesmo quando a lei proíbe.
No Seminário 7, Lacan lê seu gesto como a fidelidade ao desejo, essa força que nenhuma norma consegue domesticar. Para ele, Antígona não é heroína moral, ela é sujeito do seu desejo, ou seja, alguém que vai até o limite da linguagem para sustentar o que a move. Já Hegel via nos atos dela o embate entre duas éticas legítimas: a da cidade (Creonte) e a da família (Antígona). Judith Butler, mais tarde, enxergou corpos e amores que não cabem nas leis do parentesco: aqueles cuja dor e luto não são reconhecidos pelo poder.
Ouvi-la surgir em nossa roda me fez pensar mais detidamente em Antígona, e em como a peça não é apenas mito, mas modo de existir. Ela encarna o instante em que o sujeito atravessa o circuito do medo (FEAR): esse afeto que, como lembra Jaak Panksepp, paralisa, submete e se move em direção ao cuidado (CARE) e ao luto (GRIEF), os afetos que fundam o vínculo e a compaixão. Antígona não obedece por medo; ela age por desejo, sustentando a dor e o amor como forças políticas.
Talvez o que nos comova tanto em sua história seja justamente isso: a coragem de perder tudo sem perder a si, de transformar o medo em gesto ético. No fundo, toda vez que alguém sustenta um ato de amor, de criação ou de resistência contra o peso da norma, Antígona ressurge; devolvendo ao humano a potência de cuidar, desejar e viver mesmo diante do desamparo.


Não se é linguistas e poeta impunemente. Tou aqui observando o “For Mei” desses óculos e pensando na situação do recém formado brasileiro. Uma pesquisa recentes do Semesp mostra que 29,5% dos recém-formados ainda não conseguiram o primeiro emprego. É a primeira vez que temos tantos recém-formados fora do mercado de trabalho. O levantamento do Semesp/Workalove aponta que em que cursos como História, Relações Internacionais e Serviço Social esses números chegam a quase 30% de egressos sem atividade remunerada. Os dados não mentem: estamos formando pessoas para um mercado que não as quer.
Esses óculos tão divertidos parecem me dizer
“Parabéns pelo diploma, agora abra seu MEI.” A celebração da formatura se mistura à exigência de virar empresa de si mesmo, porque a carteira assinada , essa ficção de estabilidade, encolheu até caber num slogan.
Há uma ironia silenciosa: o óculos feito para olhar o futuro expõe, na verdade, a precarização do presente. Um país que escreve “for mei”, mas entrega “MEI”. Um país que empurra os jovens para fora do país ou para a autonomia compulsória, quando o que eles queriam, no fundo, era só trabalhar nas profissões para as quais estudaram recebendo salários dignos.




terça-feira, 9 de dezembro de 2025

desespero

meus pensamentos não encontram casa 
o endereço da infância 
num papel que ninguém lê
no conforto do encontro 
corpo 
erótico
afeto
encosto para não cair
cobertas curtas não cobrem meu medo
o abandono pendula
nas palavras de mamãe
- vós que aprendi cedo demais -
a sentença antiga
-todos somos sós
só os bichos ficam -
afeto sem juiz
um pássaro branco pinga sangue
a menina pede socorro
duas feridas abertas 
onde antes havia voo
"foi meu amigo que jogou pedras"
- amigos não ferem - precisei dizer
sua mão em meus cabelos ancora o presente
a cidade continua rodando fora do quarto
desejo pede espaço
permanecer 
não deve
custar 
o movimento
como um carro que percorre a esmo a cidade