Amanhã faz um mês. Saí de casa duas vezes para comprar comida e foi só. Preciso confessar, o isolamento me agrada porque sou inapta com interações. Normalmente não gosto de conversar. Sou excessivamente racional e as interações sociais às vezes precisam ser superficiais para serem leves. Não sou leve. Sou pesada como chumbo, tóxica até. O paradoxo é que a rejeição me estraçalha e eu preciso ser amada como quem precisa de ar. Daí o álcool para compensar.
Estou em prantos, vi agora de manhã que uma médica de Manaus chorando no no twitter e dizendo que não aguenta mais ver gene morrendo, clamando por mais vagas nos hospitais e apontando para o carro da funerário já no pátio. Não para de morrer gente. Não para de morrer gente.
Genocidas. Do governo do país aos patrões que não são capazes de abrir mão do lucro, são todos chacais ferozes e assassinos. Temo muito por meus filhos que ainda precisam sair para trabalhar, por minha mãe e meu pai que são idosos, por meu sobrinhos, por meu ex marido, por meus irmãos e por minha irmã enfermeira, por meus sobrinhos e por toda gente que mesmo que eu não cite nominalmente são GENTE, pessoas que deveriam ter o direito a vida com abundância.
Durante muio tempo militei corpo a corpo por direitos dos excluídos até a exaustão gatilhar uma doença mental grave e profunda. Decidi concentrar minhas forças na educação, em atividades de prevenção e de fortalecimento da cidadania. Funcionou comigo, a pequena doméstica que virou poeta e professora, poderia funcionar com meus estudantes. Mas sempre fica essa sensação de que eu poderia fazer mais, mesmo sabendo que fazer mais poderia significar a extinção de mim mesma nessa luta. Estar segura em isolamento expande essa sensação. Uma benção e uma maldição. Como lidar com o sentido óbvio do privilégio?
Acabei de por o lixo para a coleta de segunda e chorei mais um vez pensando nos coletores. Não estou aguentando. Não quero mais lives, não quero cerveja, não quero anestésicos. Desculpe-me Nietzsche, era para amar a realidade com a toda a potência de minha vida, mas como suportar ter a vida poupada quando tantos estão ameaçados, tantos estão partindo?
Refaço mentalmente a listas de escritoras e escritores que, tendo a vida poupada na catástrofe, não suportaram o privilégio e sucumbiram. Suas histórias estão aí para que eu saiba o que nos faz tombar. Não é a bebida, a comida ou a escrita que me salva, preciso constatar.
Tento pensar em quem, Amos Oz, por exemplo, fez a vida valer a penas produzindo lutando pela paz, produzindo uma grande obra e principalmente permanecendo vivo, depois das tragédias. Não que tenho a força ou a genialidade de Oz, mas preciso urgente achar sentido em permanecer só comigo por 24 horas sendo tão má companhia.
Ontem conversava com a Carol sobre o livro da Mariana Botelho, "O silêncio tange o sino", e de quanto eu tinha aprendido com ela e com ele - o livro- a mirar o abismo, a abraçar meu vazio. Há momentos em que não faz sentido mesmo. E é só isso. Acolher essa ausência absoluta, mirar o abismo e ser mirada por ele.
É um grande texto, me desculpem. Mas foi a maneira que encontrei essa manhã de mirar o abismo sem saltar.
Bom dia!
Amiga, já pranteei muitos dos mortos. Sei que ainda prantearei.
ResponderExcluirSinto-me muito sintonizado com você. Tenho seus textos como Norte, como referência. Amo sua companhia, pois sempre me sinto revigorado e alimentado quando me encontro com você.
Por isso quero estar sempre presente para sorver suas palavras. Mesmo as amargas. Tenho você como Mestra, como Mentora. Minha admiração e carinho por você não têm limites. Obrigado por ser quem você é para mim.
Ô Samuca, é um alento saber que tenho vc nesse mundo tão obscuro.
ResponderExcluirNorma, li seus textos e fiz tantas reflexões.São textos que absorvem na nossa alma e penetram no coração. Difícil ficar inerte a eles. Gostei muito, você é uma pessoa diferenciada nesse mundo. Meus sinceros reconhecimentos do seu talento na arte de escrever.
ResponderExcluirObrigada pela leitura atenta. É bom ter vc por aqui. Fique á vontade. Um abraço.
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