enquanto desfilo insone
a língua estilhaçada
o ouvido estilhaçado
a mão estilhaçada
gatos dormem, indiferentes
à máquina de produção
aos aparelhos de destruição
mas que não se confunda
minha vigília com virtude
segunda-feira, 20 de abril de 2020
quinta-feira, 16 de abril de 2020
150 batidas
150 batidas
ser jovem
correr
de mãos dadas com você
e entrar no mar
mergulhar daquele jeito
que a onda não derruba
escondidas debaixo da água
debaixo da curva
de suas dúvidas
parecia que dizia
acabou
ouvi, foram 150 batidas
era cavalo galopando
em meu coração
a ideia
de viver você
fez jorrar coragem
para o dilúvio, colapso, apocalipse
quem me imaginaria
tão destemida
mesmo depois de tantos fins
o real dessas canções que escorrem
de seus dedos
movem o desejo em mim
a sutileza do fogo
de seus olhos que abrasam
como pode? tão úmidos
era para aprender desde cedo
que a palavra junto
tem vinte e cinco significados
ser jovem
correr
de mãos dadas com você
e entrar no mar
mergulhar daquele jeito
que a onda não derruba
escondidas debaixo da água
debaixo da curva
de suas dúvidas
parecia que dizia
acabou
ouvi, foram 150 batidas
era cavalo galopando
em meu coração
a ideia
de viver você
fez jorrar coragem
para o dilúvio, colapso, apocalipse
quem me imaginaria
tão destemida
mesmo depois de tantos fins
o real dessas canções que escorrem
de seus dedos
movem o desejo em mim
a sutileza do fogo
de seus olhos que abrasam
como pode? tão úmidos
era para aprender desde cedo
que a palavra junto
tem vinte e cinco significados
segunda-feira, 13 de abril de 2020
Gente
Amanhã faz um mês. Saí de casa duas vezes para comprar comida e foi só. Preciso confessar, o isolamento me agrada porque sou inapta com interações. Normalmente não gosto de conversar. Sou excessivamente racional e as interações sociais às vezes precisam ser superficiais para serem leves. Não sou leve. Sou pesada como chumbo, tóxica até. O paradoxo é que a rejeição me estraçalha e eu preciso ser amada como quem precisa de ar. Daí o álcool para compensar.
Estou em prantos, vi agora de manhã que uma médica de Manaus chorando no no twitter e dizendo que não aguenta mais ver gene morrendo, clamando por mais vagas nos hospitais e apontando para o carro da funerário já no pátio. Não para de morrer gente. Não para de morrer gente.
Genocidas. Do governo do país aos patrões que não são capazes de abrir mão do lucro, são todos chacais ferozes e assassinos. Temo muito por meus filhos que ainda precisam sair para trabalhar, por minha mãe e meu pai que são idosos, por meu sobrinhos, por meu ex marido, por meus irmãos e por minha irmã enfermeira, por meus sobrinhos e por toda gente que mesmo que eu não cite nominalmente são GENTE, pessoas que deveriam ter o direito a vida com abundância.
Durante muio tempo militei corpo a corpo por direitos dos excluídos até a exaustão gatilhar uma doença mental grave e profunda. Decidi concentrar minhas forças na educação, em atividades de prevenção e de fortalecimento da cidadania. Funcionou comigo, a pequena doméstica que virou poeta e professora, poderia funcionar com meus estudantes. Mas sempre fica essa sensação de que eu poderia fazer mais, mesmo sabendo que fazer mais poderia significar a extinção de mim mesma nessa luta. Estar segura em isolamento expande essa sensação. Uma benção e uma maldição. Como lidar com o sentido óbvio do privilégio?
Acabei de por o lixo para a coleta de segunda e chorei mais um vez pensando nos coletores. Não estou aguentando. Não quero mais lives, não quero cerveja, não quero anestésicos. Desculpe-me Nietzsche, era para amar a realidade com a toda a potência de minha vida, mas como suportar ter a vida poupada quando tantos estão ameaçados, tantos estão partindo?
Refaço mentalmente a listas de escritoras e escritores que, tendo a vida poupada na catástrofe, não suportaram o privilégio e sucumbiram. Suas histórias estão aí para que eu saiba o que nos faz tombar. Não é a bebida, a comida ou a escrita que me salva, preciso constatar.
Tento pensar em quem, Amos Oz, por exemplo, fez a vida valer a penas produzindo lutando pela paz, produzindo uma grande obra e principalmente permanecendo vivo, depois das tragédias. Não que tenho a força ou a genialidade de Oz, mas preciso urgente achar sentido em permanecer só comigo por 24 horas sendo tão má companhia.
Ontem conversava com a Carol sobre o livro da Mariana Botelho, "O silêncio tange o sino", e de quanto eu tinha aprendido com ela e com ele - o livro- a mirar o abismo, a abraçar meu vazio. Há momentos em que não faz sentido mesmo. E é só isso. Acolher essa ausência absoluta, mirar o abismo e ser mirada por ele.
É um grande texto, me desculpem. Mas foi a maneira que encontrei essa manhã de mirar o abismo sem saltar.
Bom dia!
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