sábado, 29 de novembro de 2014

1974

há sempre um filho mais amado
e não adianta chorar
nunca fui eu

em 1978
foi ele que recebeu
a carta mais amorosa
que ela já escreveu

"walace no dia 3 de
dezenbro de 1974 vocen
ganho um avoré
agora dia 3 de dezenbro 
de voce está gando
estas lida coeca
com carinho 
da sua mãe
Nilma"

está tranquilo, mãe
hoje entendo
o filho mais amado
é sempre 
o mais necessitado

NSL
29/11/14

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lua nova

 
Achei tão bonitinho ver você correndo hoje, daquele jeito que as pessoas correm, executando movimentos rápidos mas sem realmente se mover mas depressa.
De longe parece fácil calar esse seu parlatório com um beijo, cheirar o seu cabelo e pedir que você nunca me deixe. 
Mas como poderia te beijar?
Você nunca esteve comigo e eu nem olho no seu olho. 
Se você tiver uma ruga imensa na testa eu nem saberia.
A verdade é que eu não ligo se você tiver uma ruga imensa na testa.
Meu amor não encara você na real. 
Ele é uma entidade que transita entre o que você é e o que eu gostaria que você fosse. 
Por mais que eu aplique compressas e bálsamos neste amor, ele vai ser sempre como aqueles cortes cirúrgicos que cicatrizam mas em época de lua cheia zangam.
Há esta lua nova de maio, mas meu peito não sabe. Está tão inflamado de amor que chega a doer.
 


domingo, 23 de novembro de 2014

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Se quisesse eu inventava uma história. Seria uma história triste, atravessada por tragédia e solidões. Mas eu inventava. Se quisesse inventava até uma história feliz, dessas que todo mundo encontra um par, se casa ou fica grávida, que os vilões ficam loucos ou vão para a cadeia no final. História de abandono? Eu inventava. E essas histórias que terminam antes de acabar? Eu inventava também. História fantástica, com milagre, magia ou fenômeno? Eu inventava. Bastava querer.
Mas eu não quero. Não acho que valha a pena. Nem acho que valha a pena viver uma história. E eu acreditava, viu? Eu tinha um lema "invente uma história, acredite nela e viva-a todo dia". Mas isso acabou. 
Ando frouxa, ao sabor do acaso. E o meu acaso são dados viciados na sorte do crupiê. Quem é o crupiê? Todo mundo, menos eu. 
Antes de eu ficar assim, a mercê desses anjos distraídos, liberando o acaso sem pedágio, eu criava tudo. Me cansei de inventar porque isso foi o que fiz a vida toda. Eu sou uma pessoa inventava, sabia? Nem uma ruga, nem uma dobra, um fio de cabelo branco é real. Tudo que você vê em mim é ficção. 
Eu inventei a menina alegre, a adolescente maluca, a mulher de sucesso, a mãe ideal. Tudo de mentira. Houve dias que eu achei que a mulher triste era de verdade mas acabei compreendendo que eu a havia inventado também. 
Eu esgotei uma grande cota de invenção em mim mesma. E enfarei. Por isso não invento histórias. Mas se eu quisesse eu inventava. Ah, inventava. 

NSL
20/11/14
São tão miúdos esses meninos para quem conto história de tranças. Diante deles eu preciso calar a raiva pelos negros mortos. Ser griô é ter leveza e, às vezes, calar a dor.

NSL
20/11/14

terça-feira, 18 de novembro de 2014

invisível

as palavras que trocamos 
descrevem uma reta perfeita 
entre o seu e o meu ouvido
mas é patético 
o esforço de superfície

(no recôndito 
palavras lascivas 
rolam atracadas
famintas de si)

colóquios de verniz
não promovem encontros
entre mentes, línguas e corpos


NSL
18/11/14

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

É uma catástrofe que eu  esteja sempre atenta às artimanhas que usas
para vilipendiar quem odeias. Que me importa teus afetos?

Não sou mãe do mundo e de mim, nada podes tirar.

NSL
14/11/14



escrever é promover
a cópula da palavra
com a carne
ânsias de gerar um filho
chamado significado

sob o peso do rebento
que nunca nascerá
estar
eternamente grávida

NSL
14/11/14


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

em todo canto alucino
o grito irado de minha mãe
não há exílio na infância

e em dias que amanheço
a alma em carne viva
queria morar nestas lágrimas


ao menos elas
correm para fora de mim

NSL
13/11/14


terça-feira, 11 de novembro de 2014

imersa

penas úmidas
naufrago entre redes imaginárias

meu sopro esculpiu 
este minúsculo aquário

um cargueiro desliza ao largo


NSL
11/11/14

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

torcicolo

fora de época
os ipés amarelos
contorcem-se
curvam em silêncio
seus pescoços
a espera de que os sem-teto 
cansados de ter medo
explodam num outono 
de cacos azuis
abram flores vermelhas 
sobre as peles brancas 
dos homens de bens

NSL
05/11/14