Algo que me enche de tédio é essa extrema dúvida entre viver e escrever. Se danço com a vida e sigo seus fluxos mais intensos nada sai de meu teclado. O bruxelear de meus dias fartos, saciados e felizes são de uma total falta de inspiração.
Dançar, beber, comer e rir consomem a possibilidade de me eternizar em palavras escritas. Não que eu creia realmente que minhas palavras hirsutas serão eternizadas. Apesar de seguir alucinando a crença de que do éter surgirão olhos sagazes e capazes de visualizar algo grandioso em minhas palavras, no fundo suspeito a mediocridade desse amontoado gráfico.
Há momentos porém que escrever me causa frêmitos. Mesmo depois de concluída a obra, repasso os olhos e chego a duvidar se são meus os arranjos literários.
Mas o leitor poderia me perguntar quando se sucedem esses tremores.
Eles surgem exatamente da mais absoluta falta de vida. É preciso estar muito infeliz com os meus dias para me por a escrever. Qualquer pequena saciedade estanca meu sangrar criativo. E é esse o pensamento que hoje me causa náuseas.
Se eu escolher escrever a obra de minha vida terei que me enterrar em um recôndito inerte de minha consciência, ou mergulhar incólume da vida em alguma experiência infeliz.
Me custa fazer a escolha. Quem poderia escolher algo assim?
Por enquanto prefiro crer que sou a grande artesã cósmica que abriga no ventre ou na alma uma obra grandiosa. Me deixo estar bailando entre o caos e a ordem dessa vida oscilante, que traz saciedades e infelicidades com a frequência de chuvas no outono.
Norma de Souza Lopes