Norma de Souza Lopes
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Antes da existência da escola o individuo aprendia apenas aquilo que fosse importante para seu oficio. Era o caso de monges que aprendiam a ler para copiar manuscritos religiosos, ou de comerciantes fenícios que registravam e liam apontamentos de vendas ou até mesmo de alquimistas que registravam suas observações químicas. Nesse contexto a ciência servia ao indivíduos para fins e interesses particulares e específicos.
O advento do pensamento filosófico implantou formas mais amplas de observar o mundo natural, questionando e buscando respostas possíveis também sem uma separação engessada de áreas de conhecimento. Surge então o modelo escolástico de ensinar.
Neste modelo o professor era aquele que possuía uma visão geral das coisas e sua formação era construída de forma ampla e autodidata. Pauster por exemplo era professor de química mas, para responder a demanda do pai de um dos seus alunos, investigou a produção de álcool em tanques de beterraba e acabou por fazer uma das descobertas mais importantes no campo da biologia. Nesse contexto o professor era um investigador multiforme que acabava por conhecer de tudo um pouco. Porém esse era um professor de elite, que chegava em uma casa ou vila e ensinava apenas às crianças daquela lugar. E vivia disso. Por isso essa era uma educação cara para as famílias.
Com a revolução industrial surge a necessidade de ensinar às grandes massas rudimentos da leitura e escrita e alguns cálculos matemáticos. O ensino passa então a requerer um novo perfil de educação, mais barata, que atingisse um número maior de aprendizes ao mesmo tempo. Um novo perfil de educação que implicou em novo perfil de professor.
No novo modelo fez-se necessário engradar o conhecimento. Esse engradamento em forma de currículos escolares, semelhante ao que conhecemos hoje, foi criado tendo como base a suposição de que, como nem todas as ciências poderiam ser ensinadas, o conhecimento ensinado no ambiente escolar deveria ser apenas o necessário para resolver problemas cotidianos de uma determinada época e cultura. O novo perfil de professor deveria ser o de alguém que fosse capaz de reproduzir esse conhecimento em moldes fabris, ensinando a um grande grupo de aprendizes ao mesmo tempo.
Pronto! Estava inventado a escola e o professor como conhecemos hoje.
Como já foi afirmado a ciência em si mesma sempre buscou todo aporte possível para resolver os problemas reais que os indivíduos experimentam no mundo natural. No entanto a seleção acadêmica dos conteúdos e a prática educativa coletiva pretendeu colocar em grades esse conhecimento. Grades chamadas currículos, disciplinas, matérias, conteúdos, de forma a “simplificar” para que os alunos pudessem entender e para que esse conhecimento pudesse ser veiculado no ambiente escolar. Essa simplificação implicou em fragmentar, diminuir, aprisionar todo o rico conhecimento produzido universalmente em campos de conhecimento e em momentos históricos passados. Para isso a formação do professor foi ficando cada vez mais afunilada e os saberes escolares cada vez mais primários.
Ora, ainda que se possa dizer que o professor constrói individualmente seu rol de conhecimentos úteis para o ensino aprendizagem, devemos afirmar que a formação específica do professor, em um conteúdo único é profundamente limitante. Isso se dá porque, durante a aprendizagem do oficio de professor, o docente constrói sua auto imagem colada a área de conhecimento. Essa construção acaba por reduzir sua função social, ou seja, um professor de matemática dificilmente irá pesquisar e ensinar acerca de microorganismos, mesmo que seus alunos se queixem continuamente de diarréias e afirmam morar em áreas sem saneamento. Não que o professor seja o responsável por todos os problemas dos alunos, mas ele é o cientista mais próximo, aquele que pode fornecer subsídios para solucionar problemas desse gênero.
Daí a importância de abandonar a postura “não mexam no meu conteúdo”. Abandonar essa postura implica e conviver com o medo constante de perder sua identidade de professor desta ou daquela área de conhecimento. É preciso que o professor compreenda que existe vantagens em ser interdisciplinar.
Ser interdisciplinar não é algo que se aprende em um dia, é algo que deve atingir a essência e ficar arraigado no professor. Ele precisa ser inteiramente convencido que esta é a forma mais vantajosa de lidar com o conhecimento. Nessa medida o trabalho com projetos é a maneira mais rápida de se construir um modo de ser interdisciplinar. Um projeto surge para resolver um problema real que o individuo ou um grupo de indivíduos vivenciam. Nessa medida o alvo seria a resolução do problema e não o ensino dos conteúdos em si mesmos. Para solucionar, por exemplo, um problema de adolescentes grávidas sem planejamento em uma escola, seria necessário recorrer a conhecimentos biológicos, psicológicos, estatísticos, históricos, químicos, éticos, médicos etc. O projeto implicaria em planejar o ensino de forma que todo conhecimento e toda a informação existente acerca do assunto venha a contribuir para que as adolescentes passem a refletir sobre suas relações e a planejar quando estarão maduras para engravidar.
Diante desse tipo de problema o professor interdisciplinar tem claro que o mais importante no ensino é levar ao aluno todos conhecimento universalmente produzidos, se utilizando deles para superar problemas cotidianos. O professor de área pode até produzir bons resultados com um ensino disciplinar, porém ele trabalha de forma menos articulada com os problemas de seus alunos, uma vez que atira no escuro, não pergunta, não questiona e não produz respostas específicas as situações cotidianas de seus alunos.
A vivencia da solução de um problema através de um trabalho interdisciplinar é o que produzirá no professor a mudança estrutural. Com a observação dos resultados de um projeto bem sucedido o professor se sente mais seguro para mudar sua metodologia de disciplinar para interdisciplinar. Esse vivência cria a possibilidade de romper com as grades do currículo e das disciplinas.
A educação brasileira tem no entanto o hábito de se apropriar de forma manca de novas propostas pedagógicas e a versão de projetos de trabalhos que temos encontrado nas escolas é um arremedo simplificado que implica em apresentações paisagísticas e isoladas. Não que nossos profissionais sejam incompetentes, são até muito competentes por sinal. O problema e que diante do medo do novo eles acabam associando à proposta aquilo que já conhecem, o trabalho disciplinar. Os projetos acabam não tendo nenhuma relação com a proposta político pedagógica e escola e nem com os problemas dos alunos. É um tal de projeto animais, projeto folclore, projeto água, sem nenhuma articulação com a missão e com a filosofia da escola. Acaba-se fazendo o que se fazia antes o ano inteiro, só que agora através de projetos. Basta pedir ao aluno para escrever em uma cartolina e prender no pátio. E para ficar mais bonito coloca-se papel crepom em volta.
Cadê a resolução de problema, cadê o sonho e a solução de uma necessidade. Trabalhar projeto assim é apenas enfeitar de flores as grades do currículo.
Esse artigo foi escrito com o objetivo de convidar os professores a arriscar, mexer em seus conteúdos, lançar um olhar no futuro para perceber que tudo mudou, apenas a escola não mudou. O jovem já aprende de forma diferente. Para observar isso basta ver um adolescente ouvindo música, lendo uma revista, navegando na internet, brigando com a irmã, tudo ao mesmo tempo. A quantidade de informação também aumentou muito, e a forma como o conteúdo é ensinado hoje dificulta ao aluno lidar com esse volume pois na escola se ensina a validar conhecimentos, mas não ensina a questiona-los. Alguém que abra uma página de busca na web acerca de cristianismo por exemplo, poderá achar desde informações religiosas sectárias (espiritismo, evangelismo etc.) até movimentos anticristianismo. Como a escola tem preparado os alunos para separar o conhecimento que é válido da informação que é apenas ruído?
Espero que muitos aceitem o convite para quebrar as grades.
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