sexta-feira, 25 de julho de 2025

atlas de um corpo em exílio

a pele ainda fala dialetos extintos

mesmo sob o céu limpo

onde o silêncio é idioma oficial

há uma rachadura invisível

atravessando o chão

de mármore das bibliotecas

e é por ela que minha sombra escapa

deitada em páginas onde nunca fui escrita


cada rua sem buzina

é um espelho de aço

refletindo o grito

que eu segurei

no vômito


tudo é respeitável

e esse excesso me afoga

ausência de barulho

acentua o ruído que trago nos ossos


sou a viajante

o passaporte carimbado de ausência

o nome riscado de dentro

uma mulher que caminha em inglês

e sangra em português


não há corpo que migre

sem carregar suas ruínas embutidas

prótese de um amor

historicamente mutilado no abusivo

arquivo em segundo plano

processando-se

mesmo quando a janela principal mostra montanhas

minha alegria tem cláusulas de contenção

sorrio com legenda:

“isto não é amor, é costume”


o exílio não é o país:

é o gesto automático

de pedir desculpas

por existir com mais volume

do que me permitiram


no banco da praia

às margens do Pacífico

ensaio a minha revolução


não é sonora

não é coreografada

não é instagramável

é meu corpo se recusando a se curvar

quando há atraso para amá-lo


livros me olham com ternura estrangeira

imigrante de mim


aprendo a andar descalça

sobre os gramados

que não pedem desculpa por crescer


a pergunta não é mais quem me feriu

mas:

quem em mim

continua a ofertar flor

ao punho que esmaga

minha liberdade tem sotaque

as botas pesadas do meu perdão


escrevo

devagar, em letras minúsculas,

um novo tratado:

não serei o altar de nenhuma

falta de escolha

nem sílaba que se dobra

em qualquer sentença

as mão firmes com os quais

finalmente escrevo

em exílio, sim

mas em alfabetização

aprendendo a dizer

não

sem precisar me traduzir

sexta-feira, 11 de julho de 2025

pra te ver por inteiro

é cedo

e o mundo

ainda não acontece

nem uma xícara vazia

nem o sol na janela

mas tua lembrança

já ocupa meu pulso

dormi na promessa

sonhei teus olhos de paz

teu colo, um país morno

onde quero pousar

meu cansaço

da banal violência do mundo

escrevo

pra acordar o dia

e ouvir tua voz

mas aqui dentro

acalento

o desejo manso

de te ver por inteiro

deslizando

no meu pra sempre

domingo, 6 de julho de 2025

manual de contenção para almas em erupção

e o que vem depois da erupção?

a lava esfria.

silencia o chão.

dizem que vira pedra,

que endurece.

mas ninguém vê

o que brota de dentro.

o que queimava,

agora, terra preta,

abriga raiz.

do fogo contido

nasce terra fértil.

é tão triste perder o vulcão,

mesmo sabendo

das florestas.