a pele ainda fala dialetos extintos
mesmo sob o céu limpo
onde o silêncio é idioma oficial
há uma rachadura invisível
atravessando o chão
de mármore das bibliotecas
e é por ela que minha sombra escapa
deitada em páginas onde nunca fui escrita
cada rua sem buzina
é um espelho de aço
refletindo o grito
que eu segurei
no vômito
tudo é respeitável
e esse excesso me afoga
ausência de barulho
acentua o ruído que trago nos ossos
sou a viajante
o passaporte carimbado de ausência
o nome riscado de dentro
uma mulher que caminha em inglês
e sangra em português
não há corpo que migre
sem carregar suas ruínas embutidas
prótese de um amor
historicamente mutilado no abusivo
arquivo em segundo plano
processando-se
mesmo quando a janela principal mostra montanhas
minha alegria tem cláusulas de contenção
sorrio com legenda:
“isto não é amor, é costume”
o exílio não é o país:
é o gesto automático
de pedir desculpas
por existir com mais volume
do que me permitiram
no banco da praia
às margens do Pacífico
ensaio a minha revolução
não é sonora
não é coreografada
não é instagramável
é meu corpo se recusando a se curvar
quando há atraso para amá-lo
livros me olham com ternura estrangeira
imigrante de mim
aprendo a andar descalça
sobre os gramados
que não pedem desculpa por crescer
a pergunta não é mais quem me feriu
mas:
quem em mim
continua a ofertar flor
ao punho que esmaga
minha liberdade tem sotaque
as botas pesadas do meu perdão
escrevo
devagar, em letras minúsculas,
um novo tratado:
não serei o altar de nenhuma
falta de escolha
nem sílaba que se dobra
em qualquer sentença
as mão firmes com os quais
finalmente escrevo
em exílio, sim
mas em alfabetização
aprendendo a dizer
não
sem precisar me traduzir